sexta-feira, 20 de julho de 2007

Capítulo XIII

" Acordo com os olhos inchados e uma subtil dor de cabeça. Abro a persiana e constato, com decepção, que está um dia cinzento, daqueles com uma chuvinha miudinha e embirrenta. Tomo um duche rápido, enfio umas calças de ganga e uma camisola de gola alta, dou uma escovadela rápida ao meu desgrenhado cabelo e termino calçando umas botas e vestindo um kispo verde. Pego na minha sacola, que tive a inteligência de deixar preparada na noite anterior, e preparo-me para sair. Lembro-me que falta o perfume e volto atrás, atirando pequenos jactos à toa. Sem perfume, sinto-me despida. Volto a abrir a porta da rua mas mais uma vez recuo. Agora esqueci-me da chave do carro. É falta de hábito. Finalmente consigo reunir tudo o que preciso e depois de descer as escadas a correr, instalo-me, o mais confortavelmente possível, ao volante do meu carro a estrear. Conduzo, com um certo receio, por entre o trânsito da cidade, congestionado a esta hora da manhã, e sinto uma sensação de alívio ao chegar incólume à escola. Encontro duas alunas do 10º ano que me perguntam se as férias foram boas e entramos juntas, tagarelando sobre prendas e passagens de ano. Assusto-me quando uma delas solta um gritinho histérico - S'tora, deixe-me assistir à sua aula do 11º ano.
Olho espantada para ela - A que propósito? Não sabia que gostavas assim tanto de Filosofia.
A amiga responde por ela - Não, s'tora. Ela gosta mesmo é do Joka.
A outra volta a soltar uma risadinha - Olhe para ele, s'tora! Ele é tão lindo!
Olho na mesma direcção e realmente vejo o meu aluno Joka a caminhar, no seu jeito algo displicente, com as mãos enfiadas num Kispo volumoso e um gorro enfiado até às orelhas que lhe deixa apenas de fora as pontas louríssimas do seu cabelo. Não lhes digo nada mas interiormente concordo com elas; ele é muito bonito e tem "montes" de estilo. O rosto continua fortemente bronzeado, transmitindo saúde e lembrando o Verão que, penso eu com tristeza, ainda está tão longe.
- Sabe, ´s'tora, ele viaja pelo mundo todo. Ainda agora esteve naquele sítio... Como é que se chama, Andreia?
- Ai, não sei. Já não me lembro do nome.
- É aquele sítio, s'tora... - enruga a testa num esforço de memória - Não interessa. Daqui a pouco já me lembro.
- E como é que vocês sabem isso tudo? - inquiro com curiosidade.
- Ó s'tora, a Andreia tem um primo que é amigo dele e depois o primo conta à Andreia e prontos.
- Ah, já percebi - digo eu, nada admirada com o sistema de informações delas. Na minha altura de estudante funcionava exactamente da mesma maneira - Mas olha lá, Marisa, cuidado que ele tem namorada!
Ela faz um ar de desdém- É uma pindérica!
Dá-me vontade de rir porque o argumento utilizado é invariavelmente o mesmo, mudando apenas o adjectivo - Não é nada pindérica! Até é muito gira!
A Marisa faz um ar amuado mas, ao mesmo tempo, resignado - 'Tá bem, s'tora, é gira. Mas não interessa, é uma betinha!
Eu encolho os ombros - Pindérica ou betinha, é com ela que ele namora.
A Andreia dá um encontrão à amiga - É isso mesmo s'tora! Ouviste, ó estúpida? - acrescenta.
Faço um gesto de despedida com a mão e dirigo-me em passo apressado para o polivalente para ainda tomar um café antes da aula. Há pouca gente em frente ao balcão do bar e sou prontamente atendida. Despejo com cuidado o pacote de açucar na chávena e sou interrompida por um cumprimento - Bom dia, professora! As férias, foram boas?
Nem sequer preciso de olhar para saber quem é. Só há um aluno que me chama assim - o Joka..."