sexta-feira, 20 de julho de 2007

Capítulo IX

"Ele faz um gesto de assentimento com a cabeça e agradece - Obrigada, professora.
Dito o sumário e dou início à aula começando pela correcção do trabalho de casa. A Isabel, uma aluna extremamente bonita, dona de uns cristalinos olhos azuis, põe o dedo no ar - S'tora, eu li o texto em casa mas não consegui perceber muito bem a distinção entre a validade formal e material de um raciocínio.
- Muito bem, vamos lá ver isso - Durante meia-hora volto a explicar a diferença entre a forma e a matéria de um raciocínio e no final passo uma série de exercícios no quadro - O que eu quero que vocês façam é o seguinte: têm de avaliar estes raciocínios do ponto de vista formal e do ponto de vista material e justificar. Alguma dúvida?
Alguns alunos abanam negativamente a cabeça e começam a copiar do quadro os exercícios.
- Quinze minutos para a realização da tarefa - informo. Enquanto os alunos se afadigam na resolução dos exercícios , eu aproveito para observar melhor o novo aluno: o que mais se destaca nele é o cabelo louro - quase branco- que lhe cai em madeixas sobre os olhos e contrasta fortemente com a tez bronzeada. Ele está reclinado sobre o caderno e quando levanta a cabeça para copiar os exercícios do quadro, olha por entre os fios de cabelo, fazendo um trejeito para o lado. Um dos pulsos está adornado por várias pulseiras, feitas de missangas coloridas, e no outro destaca-se um grande relógio. Continuo a minha observação fascinada pelo estilo dele: as sapatilhas são da mesma cor da tee-shirt laranja, de uma marca de surf, e as calças apresentam uma profusão de bolsos. Ele volta a levantar a cabeça mas, desta vez, olha na minha direcção. Não sei se está a olhar directamente para mim porque não lhe consigo vislumbrar os olhos, mas por causa das dúvidas resolvo desviar a trajectória do meu olhar. O resto da aula, entre a correcção das tarefas e a continuação da matéria, passa num ápice. O toque estridente da campainha assinala o seu final e eu reúno rapidamente as minhas coisas, desejosa de tomar um café e ir para casa. Atravesso o átrio e dirijo-me directamente para o polivalente que é o local onde funciona o bar, tanto para alunos como para professores o que significa que há sempre uma grande confusão e barulheira, condimentada pela música da rádio da escola. Cruzo-me com alguns alunos do 10º ano que me lançam um sorriso e espero pacientemente pela minha vez de ser atendida. O grupo de alunos que está à minha frente é finalmente atendido e eu desvio-me para o lado para lhes dar passagem. Quando faço o movimento para me recolocar na fila alguém choca comigo. Preparo-me para deitar um olhar mal-humorado ao autor do empurrão mas ouço uma voz a dizer - Desculpe, professora.
Deparo com o meu aluno surfista parado mais ou menos ao meu lado. Ele afasta o cabelo dos olhos e vejo que são escuros, quase pretos. Quase podia jurar que ele tinha olhos azuis mas afinal nem todos os surfistas são louros, de olhos azuis. É bem mais alto do que eu e eu preciso de erguer ligeiramente a cabeça para falar com ele.
- Não a magoei, pois não?
Percebo que passou algum tempo entre o encontrão e a pergunta e que devo estar a fazer figura de parva, especada a olhar para ele - Não, não - respondo finalmente. Peço o meu café à funcionária de ar pouco simpático e encosto-me para o lado para lhe dar lugar. Ele pede um snack e após ser atendido atira-me um «até amanhã, professora». Devolvo-lhe a frase e começo a achar piada à sua boa-educação. Distraída com estes pensamentos, escaldo-me na chávena e interiormente solto um palavrão. Mexo e remexo o café, à espera que arrefeça, e enquanto isso o meu aluno volta a entrar no meu campo de visão. Está acompanhado por uma teenager de sedosos cabelos castanhos, alta e esguia. Ele passa-lhe um braço por cima dos ombros e eu percebo que será, certamente, a sua namorada. Fazem um casal bonito e eu penso que podiam fazer um daqueles anúncios, sempre repletos de jovens atraentes e cheios de estilo. Bebo, finalmente, o café e antecipo, com prazer, a imagem da minha cama aconchegante e do fim-de-semana que se avizinha. Decido mentalmente que nem que as minhas amigas me venham convidar para uma festa em Marte eu acederei a ir com elas. Irei passar os dois dias a dormir e a trabalhar para o estágio e cheia de convicção penso que é mesmo isso que tenho a fazer, até porque se aproximam as primeiras regências e eu vou ter mesmo que mostrar trabalho se não quiser ser a ovelha negra do estágio."