sexta-feira, 20 de julho de 2007

Capítulo III

"Entro a medo e volto a apresentar-me.
- Ah! É a estagiária de Filosofia que faltava! - exclama um indivíduo barbudo e olheirento.
- Devia ter-se apresentado de manhã. Estiveram cá todos os orientadores de estágio para receber os formandos - atira uma mulher, numa voz aflautada, que trabalha afincadamente num computador portátil.
- Peço imensa desculpa, mas só cheguei à pouco - desculpo-me e logo de seguida arrependo-me do meu ar excessivamente subserviente.
- Como é que te chamas? - pergunta-me o indivíduo, ao mesmo tempo que mexe e remexe em pastas e dossiers.
- Mel - sinto os olhares de ambos pousados em mim e emendo desajeitadamente - Quer dizer, o meu nome é Amélia mas todos me chamam Mel.
- Pois aconselho-te a usares o teu nome quando te apresentares aos alunos. Já sabes que os miúdos são terríveis para trocadilhos e coisas do género - aconselha a mulher.
Aceno afirmativamente com a cabeça mas interiormente digo a mim mesma que nem todos os Conselhos Executivos do mundo me obrigarão a dizer aos alunos que me chamo Amélia. Parece que já os estou a ouvir a chamarem-me «professora Amélia».
- Ora bem, aqui tens o teu horário - diz o fulano das barbas, estendendo-me uma folha - Como sabes, as aulas começam daqui a quinze dias mas até lá vão realizar-se algumas reuniões, por isso é melhor estares atenta ao placard que está na sala de professores. É verdade, também te vou dar o número de telefone da Fernanda Gomes para poderes entrar em contacto com ela.
De repente, sinto-me confusa - Desculpe, mas quem é a Fernanda Gomes?
Ele olha para mim surpreendido - A tua orientadora de estágio.
Sinto-me completamente estúpida e coro, o que me deixa ainda mais irritada. Escrevinho nas costas do horário o bendito número de telefone e saio dali o mais rapidamente possível. Já cá fora percebo que nem sequer sei o nome da pessoa que falou comigo e sinto que todas as minhas expectativas foram goradas. Não era esta a recepção que eu esperava. Contava que me acolhessem de braços aberto, que perdessem uma hora comigo a detalharem todas as informações importantes sobre a escola e no final me levassem, em visita guiada, a conhecer as instalações. Uma vez que nada disso aconteceu, dirigo-me novamente à funcionária e pergunto-lhe pela sala de professores. Ela informa-me que fica no primeiro piso e, com surpresa, noto umas escadas nas quais não reparei quando entrei pela primeira vez no átrio. A sala de professores é uma divisão ampla, repleta de armários identificados por códigos, uma zona de estar com alguns sofás e várias mesas de trabalho. Ao fundo, três secretárias alinhadas e encostadas à parede servem de apoio a três computadores e a uma impressora. Sento-me num dos sofás só para sentir como é estar num local que durante toda a minha vida de estudante me esteve vedado. Imagino como será quando houver pessoas a falar todas ao mesmo tempo, pastas, livros e risos, uma vez que de momento a sala está vazia. Lembro-me que ainda não analisei com atenção o horário que me atribuíram e resolvo fazê-lo agora, mas quase desmaio de susto quando verifico que, pelo menos, às terças, quintas e sextas-feiras começo as aulas às oito e meia. Começo logo a imaginar, com pesar, que vou ter de me deitar cedo o que me deixa mortalmente aborrecida já que sou uma noctívaga feroz. Levanto-me do sofá, suspirando, e guardo cuidadosamente a folha do horário na minha mochila. olho mais uma vez em meu redor e decido que por hoje já chega de escola."