sexta-feira, 20 de julho de 2007

Capítulo I

"Um de Setembro. Entro hesitante, procurando passar despercebida. Olho de fugida para os edifícios que parecem caixotes não só pelo seu formato, mas também pela sua aparência degradada, com a tinta a estalar e rabiscos que tentam desesperadamente parecer-se com grafittis. Tento orientar-me, procurando os serviços administrativos e caminho de uma forma mais resoluta em direcção à seta vermelha com a informação. Abro uma porta pesada que chia ameaçadoramente e acho-me diante de uma espécie de balcão com vários guichets. Ninguém dá ou parece dar pela minha presença e eu fico à espera que alguém se digne a atender-me. Deixo passar os olhos pelos avisos, informações, decretos-lei que povoam as paredes e sinto-me baralhada com uma tão grande desordem visual.
- Tu o que queres, menina?
Assusto-me com a voz que subitamente corta o silêncio e olho à minha volta. Não há ninguém a não ser eu. Deve ser a mim que a voz se dirige. Começo titubeante - Boa tarde! Eu vinha apresentar-me...
A dona da voz, uma senhora bem arranjada, de rosto emoldurado por uma profusão de madeixas acobreadas, fica momentaneamente confusa mas logo assume um tom mais profissional - É professora? Queira desculpar, pensei que fosse uma aluna.
Esboço um sorriso e penso na minha mãe. «Tens que comprar umas roupas adequadas à tua nova situação. Agora és uma professora. Tens que andar chique.» Nem quero imaginar o que considera a minha mãe ser uma pessoa chique. Certamente não será a minha habitual indumentária constituida maioritariamente por calças de ganga. Ela também acha que tenho que comprar uma pasta, daquelas que usam os executivos, ideia à qual eu torço veementemente o nariz. O meu pai coadjuva, acrescentando «e uma gabardina, para os dias de chuva.» Tento explicar, em vão, que vou apenas dar aulas e que hoje em dia já não há essa imagem estereotipada do professor, mas não adianta argumentar com a minha mãe. Quando ela enfia uma ideia na cabeça não há forma de demovê-la. Agora, perante aquela senhora que a minha mãe certamente consideraria «muito chique», equaciono a possibilidade de renovar o meu roupeiro com as tais roupas adequadas à minha nova situação. Olho disfarçadamente para as minhas Levis, desfiadas nos bolsos, parecendo velhas mas que são novas e me custaram alguns euros e penso que prefiro gastar dinheiro a comprar jeans que parecem usados a comprar um fato completo.
- É estagiária, senhora doutora? - na verdade, ela não diz «senhora doutora» mas sim «sô tora» e, de repente, sinto-me importante. É a primeira vez que que alguém me chama assim e imagino logo que daqui para a frente, na mercearia, no cabeleireiro, me vão passar a tratar assim. Respondo-lhe afirmativamente e ela vira as costas e dirige-se a um armário metálico. Vislumbro resmas e resmas de impressos e automaticamente abro a mochila em busca de uma caneta, adivinhando já o que me espera. A senhora volta, carregada de papéis, e fá-los deslizar por baixo do vidro que nos separa - A senhora, por favor, vá preenchendo isto."