sexta-feira, 20 de julho de 2007

Capítulo XII

"Sinto uma dor e cerro os dentes.
- Ora, cá está! Agora é só... e, pronto! Vá, vê-te lá ao espelho!
Levanto-me da cadeira, sentindo um ligeiro ardor na pele e olho-me ao espelho. O piercing minúsculo brilha no meu nariz e dá-me uma incontornável vontade de rir ao imaginar a reacção do formador da próxima vez que for assistir a uma aula minha. Na verdade, se hoje acabei de fazer mais um piercing, posso dizer que o devo ao referido senhor. Tudo se passou na reunião que aconteceu depois de mais uma ronda de assistências. Quando chegou a minha vez de ser avaliada, ele não foi nada complacente e, pura e simplesmente, arrasou-me. Disse que eu tinha cometido erros científicos, que não tinha evoluído nada desde a última assistência e que me tinha arriscado a ouvir algo menos próprio pela forma como respondi a um aluno. Fiquei um pouco surpreendida com uma crítica tão acutilante porque a percepção com que eu tinha ficado é que a aula não tinha corrido assim tão mau. Ainda assim, não contra-argumentei, decidida a ouvir pacientemente e em silêncio as observações dele. Mas depois ele começou a tecer comentários acerca da forma como eu me arranjava, acrescentando que não era a mais adequada para uma professora. Desancou nos meus jeans e nas minhas All Star e terminou dizendo que eu tinha que perceber que já não estava na faculdade, mas sim num local onde tinha responsabilidades. Comecei a sentir o nervosismo a tomar conta de mim e não me contive, acabando por lhe dizer que a indumentária não estava directamente relacionada com a competência científica de uma pessoa e se, relativamente à avaliação da minha aula, eu não tinha dito nada, no entanto, considerava que a forma como eu me vestia era uma questão pessoal que não era para ali chamada. Ele tirou os óculos e olhou para mim, espantado, e eu fiquei com a sensação que ele não estava habituado a ser afrontado. A Fernanda tentou deitar água na fervura, dizendo que aquilo era apenas um pormenor sem importância, mas eu não desarmei e insisti na minha ideia, reforçando que não ia abdicar da minha autenticidade em favor de convenções sem sentido. O formador voltou a colocar os óculos, a meio do seu nariz bolboso, e no seu tom falsamente paternal aconselhou-me a ouvir com mais atenção o que pessoas com mais experiência do que eu tinham para dizer. A Fernanda voltou a intervir, de uma forma peremptória, pondo fim à discussão e eu não voltei a abrir a boca, decidindo naquele preciso momento que a minha resposta iria ser dada na próxima assistência. Aquele piercing era a minha tomada de posição. Sei que a partir deste momento o meu estágio está perigosamente em risco, mas a verdade é que eu não posso permitir que um catedrático antiquado me discrimine, só pelo facto de eu não usar uma saia que suba o suficiente para que ele possa deitar olhadelas lúbricas às minhas pernas como faz com as minhas colegas.
- Obrigada Fred! Ficou óptimo!
Ele faz-me uma espécie de vénia e devolve o agradecimento - Obrigado eu. Ficaste linda. E a tatto, é para quando?
Eu rio-me antes de lhe responder - Para isso, ainda preciso de arranjar coragem.
Pago os serviços do Fred e saio, sentindo-me o máximo com o meu novo piercing. A única coisa que me preocupa vai ser a reacção da minha mãe. Para lhe dizer que tinha um piercing no umbigo deixei passar um ano inteiro e aproveitei a noite de Natal, quando a família estava toda reunida, para lhe dar conhecimento. Assim, ela não teve grandes hipóteses de ter um ataque. Agora este, não vai dar mesmo para esconder."